No vazio do passo
o olhar vago espreita a ausência a matéria consome o tempo
a luz confronta o pensamento
No vazio do passo, exposição individual de Carusto Camargo na Sala Nogueira, do DDC da UFRGS, apresentará 4 esculturas cerâmicas, uma fotografia de grande formato, 80x90cm e cerca de 20 fotocerâmicas desenvolvidas a partir de fotografias autorais registradas durante o exercício ampliado da ação de se deslocar, espacial, temporal e sensorialmente, pela urbe, pela paisagem, pela estrada, pela casa, pelo passado. A consonância das palavras passo e vazio se fez presente quando o artista observou, no intervalo de sua passada, vestígios da ação humana em um Sambaqui de Santa Catarina, quando de sua de mudança para Porto Alegre. Nas primeiras caminhadas pela antiga Orla do Guaíba, antes do processo de higienização que retirou toda a vegetação da Usina do Gasômetro até o Estádio Beira Rio, observou e poetizou em fotografia e, posteriormente, em fotocerâmicas, outro vazio que coexiste com os deslocamentos dos coletores urbanos que empurram seus carrinhos de “compras” pela cidade.
Observar, desvelar e tornar palpável esse vazio que confronta seus deslocamentos espaciais, sensitivos e temporais tem sido seu destino, sua respiração, nos últimos 17 anos. Por desejo/necessidade de conferir uma materialidade caldosa e existencial, transpassou as fotografias para a fotocerâmica, uma técnica complexa que levou 5 anos até dominá-la e vários que ainda se vão para transgredi-la poeticamente.

Fotos: Bruna Fraga
No vazio do passo
Algumas notas sobre a exposição individual de Carusto Camargo
Caminhar – ensina Francesco Careri – é uma formulação simbólica que nos permite habitar o mundo. Colocar um pé na frente do outro altera os significados do espaço percorrido. A caminhada, segundo essa mesma acepção, corresponde a um gesto estético capaz de ordenar o caos e construir paisagens.
Parece que algo desse tipo acompanha o artista visual Carusto Camargo (São Paulo, 1962) em seus deslocamentos cotidianos. As imagens que ele reúne na exposição No vazio do passo, na Sala Nogueira, no Centro Cultural da UFRGS, em Porto Alegre, reportam-se de diferentes maneiras ao gesto de atravessar o espaço (e o tempo, junto com o espaço). Há referências sobre o trânsito entre uma cidade e outra (de São Paulo a São Carlos, de São Carlos a Campinas, de Campinas a Porto Alegre), incluindo o que se descobre no caminho mas também o que aparentemente se perde. Aparece o que se visitou nas férias, o que se percebeu no caminho de casa para o trabalho, e inclusive o que estava lá e nem se viu.
Reconhecido pelo seu trabalho como ceramista, Carusto transita dessa vez pela fotografia, mas sem se afastar muito do barro. Um conjunto de quatro esculturas evoca a paisagem de Morro Alto, em Maquiné, Rio Grande do Sul. Imagens fotográficas são impressas sobre azulejos emulsionados, justapondo o gosto pela cerâmica e o interesse na fotografia, herança doméstica, transmitida pelo pai e pelo avô. Graças à ação da luz e à transparência, o negativo transforma um guia de corte-e-costura em insuspeitado mapa. O retrato do filho em Cabo Polônio, no Uruguai, ganha a sugestão de outras direções.
Numa das séries, Carusto dá atenção para carrinhos de coleta de lixo seco – o artista resiste aos impulsos de exotizar ou romantizar a atividade. Antes, quer saber o que o olhar do outro percebe que ele não foi capaz de notar. Noutra sequência, faz fotografias cegas, disparando a câmera meio por acaso, sem conferir o que aparece no visor. Como contraponto às imagens que provêm de andanças, apresenta uma pequena série de naturezas-mortas, realizadas ao tempo da pandemia de covid e da necessidade de isolamento social. O que faz o andarilho quando caminhar pela rua deixa de ser uma forma de habitar o mundo?
A ambição do artista, em todos esses diferentes casos, parece que é, a cada passo, preencher e retomar os vazios do próprio espírito e os do mundo, num processo continuado de atravessamento de espaços, ordenamento do caos e construção de imagens.
Eduardo Veras, curador
Outono de 2025
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